Chegou uma denúncia: o que fazer?

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Tempo de Leitura: 8 Minutos

O Canal de Denúncias é, sabidamente, o instrumento mais poderoso na prevenção e combate a fraudes, assédios, discriminação, ilicitudes e irregularidades em geral. 

Para o Compliance, é também o coração desse sistema, promovendo o movimento natural de todos os seus processos, num círculo virtuoso, onde a melhoria contínua configura-se como o fundamento mestre na perpetuação da cultura da ética e integridade.

Ilusão, entretanto, é imaginar ser suficiente possuir um Canal de Denúncias apenas com o propósito de mostrá-lo como um troféu ou alardear uma propaganda da sua existência. Se assim o for, tem-se o prenúncio de investimento inócuo e dinheiro vazando pelo ralo.

Canal de Denúncias – a arma mais importante 

Nesse contexto, existe a necessidade de alguns fatores essenciais para o Canal de Denúncias prover os benefícios esperados:

  • Contratar um Canal de Denúncias externo e idôneo, para assegurar confidencialidade, independência e profissionalismo, significa semear um campo fértil para fortalecer a credibilidade e, dessa forma, gerar manifestações espontâneas e confiáveis;

  • Designar uma estrutura adequada, com profissionais capazes e confiáveis, para a gestão e tratamento das denúncias, pois, assim, se alcançarão os resultados esperados;

  • Elaborar o Código de Conduta e políticas claras, explicitando os princípios básicos e as regras fundamentais da instituição, é uma das premissas incontestáveis;

  • Estabelecer um programa de comunicação e treinamentos regulares, dotando os funcionários de conhecimento e capacidade para o melhor uso do canal, consiste em uma medida crucial;

  • Implementar processos consistentes e efetivos para o tratamento da denúncia, desde a sua chegada até a implantação das medidas aplicáveis, representa a pedra basilar para sedimentar a confiança dos funcionários na empresa e no Canal de Denúncias.

Apesar de todos os tópicos acima serem imprescindíveis, nesse artigo, vamos nos ater ao último deles, para dar ao leitor uma visão prática de como agir, a partir do momento do recebimento de uma denúncia.

Chegou uma denúncia! E agora?

Considerando uma organização com Canal de Denúncias munido com todos os fatores para o seu sucesso, ele só será alcançado se os profissionais escolhidos para a realização dos processos estabelecidos fizerem, de fato, um trabalho impecável.

Para ilustrar essa afirmação, vamos para o cotidiano de uma entidade, cujo Canal de Denúncias está em funcionamento. Então, num determinado dia, chega uma denúncia.

E agora? O que fazer?

Desconhecer a resposta a essa pergunta ou estar despreparado para lidar com as mais variadas situações podem levar a um fracasso e destruir toda a expectativa de um Canal de Denúncias efetivo.

Então, vamos enumerar os 10 passos mais importantes para tratar uma denúncia de modo adequado:

Passo 1  – estabelecer, previamente, um processo bem estruturado para apuração das denúncias

Essa providência é necessária para os responsáveis terem a referência cabível de como devem agir, frente às mais variadas situações. Caso contrário, se perde tempo logo no início, para se definirem os próximos passos. Além disso, corre-se um risco enorme de se introduzirem vieses indesejáveis, ao se conhecer uma circunstância peculiar e se tentar adequar-se a ela.

Nesse momento, contemplamos tópicos como ilustrados a seguir:

  • As etapas principais do processo, incluindo seus requisitos, tais como: código de conduta do investigador; como assegurar a confidencialidade; quais os documentos necessários; como as provas serão coletadas e armazenadas; entre outros;

  • Os critérios aplicáveis para a apuração (ex.: em quais casos a investigação será realizada por funcionários capacitados e quando será indispensável a contratação de especialistas; indicadores para a medição do sucesso; como será a gestão do processo como um todo; etc.);

  • O perfil necessário do profissional incumbido de realizar cada etapa, além de definir o treinamento aplicável e os requisitos mínimos para o exercício da função.

Ressalta-se a necessidade de documentar todas as definições aqui estabelecidas, elaborando-se procedimentos ou instruções de trabalho.

Passo 2 – formar o Comitê de Ética

O Comitê tem por objetivo julgar e definir as medidas remediadoras de um processo investigativo: disciplinares, de melhoria, corretivas, preventivas, educativas, etc.

Vários profissionais devem compor esse grupo, visto ser por meio de um colegiado o melhor caminho para mitigar o risco de uma medida injusta. Assim, escolher bem essas pessoas e ter o apoio forte da Alta Direção são requisitos inegociáveis.

Passo 3  – treinar e capacitar os profissionais nomeados

A exemplo das duas anteriores, essa é mais uma medida a ser tomada antes de se disponibilizar o Canal de Denúncias para todos.

Os responsáveis para a execução das tarefas precisam não apenas ser detentores de perfil apropriado e atender aos requisitos mínimos para a função, mas devem também saber como funcionam os processos estabelecidos, quais são seus critérios, suas metas, etc.

Nos treinamentos, espera-se a utilização de casos práticos, para elucidar o funcionamento e a dinâmica de cada processo. Nessas ocasiões, estimular a discussão e a reflexão dos participantes, frente a situações desafiadoras, também são recomendações salutares.

O treinamento dos investigadores é diferente do treinamento dos membros do Comitê. Contudo, nada impede de as duas equipes participarem dos dois treinamentos.

Passo 4  – iniciar o tratamento da denúncia  – análise da plausibilidade

Uma vez tomadas as precauções iniciais, com a definição de processos claros e treinamento adequado para os profissionais responsáveis pela execução, chegou o momento de colocar em prática esses conhecimentos.

A verificação da plausibilidade significa avaliar se a denúncia em questão faz sentido. Por exemplo, se ela indicar um desvio de conduta cometido por um funcionário, mas este inexiste no quadro de colaboradores da empresa e/ou dos terceirizados, esse é um caso “não plausível”. O mesmo vale se for citado um prestador de serviço, porém, sem nunca ter sido fornecedor. Ou até uma localidade onde a empresa não possui atividades e, assim por diante.

Vale ressaltar que, nessa fase, o juízo de valor é vedado. Ou seja, não se pode usar de “achismo” a fim de rejeitar uma denúncia. Quer dizer, se houver uma chance de a denúncia ser verdadeira, ela recebe o status de “plausível”.

Embora quase todas as denúncias passem pelo filtro da plausibilidade, esse momento é importante para se registrar o início do processo investigativo.

Passo 5  – nomear o responsável pelo processo de apuração da denúncia em questão

Nesse momento, caberá a um responsável designado estabelecer o fluxo dessa denúncia: se ela será conduzida por pessoal interno ou por especialistas externos

Se for externo, caberá a contratação da empresa escolhida. O ideal é ter essa escolha feita de antemão, ter contrato assinado e tudo preparado para se iniciar um processo. Dessa maneira, economiza-se tempo, sem atropelar os processos habituais de compras.

Se for interno, deve-se atribuir esse processo a um profissional já treinado e capacitado para a função.

Passo 6  – planejar a investigação

O investigador responsável pela apuração da denúncia deverá munir-se de todas as informações relevantes para desenhar o cenário acerca do relato feito pelo manifestante (a denúncia).

A partir daí, ele deve programar qual será o seu objetivo nesse processo: o que deseja identificar; o que pretende provar; quais evidências deve procurar.

Assim, ele estará apto para traçar o seu plano de trabalho: quais documentos vai avaliar; quem serão as pessoas a serem entrevistadas (e em qual ordem); quais as perguntas ele deverá fazer para qual pessoa; as agendas e a logística dos próximos passos, etc.

Passo 7  – executar o processo investigativo – trazer a verdade à tona

Agora, o investigador deverá colocar em prática o seu planejamento, sabendo que, a qualquer momento, ele poderá ser forçado a fazer ajustes na estratégia e nas agendas.

Isso ocorre com certa frequência, pois, é comum ele tomar ciência de fatos novos, advindos dos documentos e/ou das entrevistas. Por isso, é tão importante capacitar o profissional para a sua missão.

As entrevistas consistem em ponto crítico da investigação. Se de um lado elas são o maior ativo do investigador, por outro, representam riscos enormes, se conduzidas de maneira inadequadas.

Por exemplo: jamais o investigador poderá tratar o investigado ou as testemunhas com falta de respeito, com pressão acima da conta, pois, as pessoas deixariam de colaborar e, pior, isso poderia gerar um processo trabalhista contra a empresa.

Há técnicas para as entrevistas e, conhecê-las, aumenta-se a chance de sucesso, reduzindo assim o risco de situações inapropriadas, constrangedoras ou indesejáveis.

Passo 8 – concluir a investigação e elaborar o relatório

Um dos requisitos fundamentais para um processo bem estabelecido é evitar conflitos de interesses ou perda da imparcialidade. Assim sendo, duas funções precisam ser segregadas: a do investigador e a do julgador. Em suma, quem investiga não deve fazer parte da definição da medida remediadora.

Adicionalmente, o registro do processo investigativo, das evidências identificadas, das conclusões, entre outros, são fatores essenciais para se dar credibilidade a tudo realizado até então.  

Por esses motivos, a etapa de conclusão e elaboração do relatório assumem papel fundamental.

Um relatório conciso, porém, claro e elucidativo, é o objetivo!

Passo 9 – avaliar o relatório e decidir

Chegou-se o momento de decidir o que fazer com os resultados da investigação.

Os membros do Comitê de Ética devem se reunir, para avaliar o relatório e, em conjunto, decidir o melhor caminho.

Recomenda-se buscar a unanimidade, para a decisão ser mais forte e evitar qualquer tipo de contestação.

É necessário elaborar e manter registros adequados.

Passo 10 – implementar as medidas sem delongas

De nada adiantam todos os passos anteriores se as medidas definidas não forem implementadas em tempo hábil (*). Portanto, ter atenção especial a essa parte do processo configura-se numa medida obrigatória.

(*) Se a empresa deixar de adotar as medidas disciplinares dentro de um prazo razoável, corre o risco de um eventual funcionário ter cometido uma má conduta e receber o “perdão tácito”.

A implementação das medidas também requer registros pertinentes e seu status precisa ser reportado com regularidade à Alta Direção, juntamente com as demais informações relevantes dos processos de recebimento das denúncias e investigação, não com o propósito de tirar o véu da confidencialidade requerida, mas, para reforçar o apoio de todos e assegurar a credibilidade do processo aos olhos dos funcionários.

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Conclusão

Todos conhecem o poder do Canal de Denúncias na prevenção e detecção de irregularidades e má conduta. Mas, a sua efetividade depende de diversos fatores que devem ser implementados à sua volta, como Código de Conduta, políticas, comunicação e treinamento, processos e estruturas adequados, entre outros, a fim de gerar a credibilidade necessária para todos se sentirem confortáveis e motivados em usá-lo.

Para o tratamento de uma denúncia, algumas medidas prévias são bem-vindas, como a estruturação de processos claros para apuração e tomada de decisão, formação do Comitê de Ética e treinamento dos profissionais nomeados.

Assim, ao receber uma denúncia, os passos já estarão estabelecidos, evitando perda de tempo. De início, assegura-se a plausibilidade da denúncia, para nomear o investigador responsável. Este deverá fazer o planejamento e executar o seu plano.

Ao concluir o seu processo, o investigador deverá elaborar o seu relato, de forma concisa e clara, para o comitê analisar os fatos e tomar as medidas cabíveis, lembrando que a sua implementação, sem delongas, é uma obrigação, a fim de manter-se a credibilidade do processo.

Sobre Wagner Giovanini

Wagner Giovanini é engenheiro eletricista formado pela Escola Politécnica da USP, com pós-graduação em Gestão Ambiental. Atuou por 29 anos na Siemens e há noves anos se dedica ao Compliance Total(1) como sócio- diretor. Especialista em Compliance é  autor de  livros como: “Compliance – a excelência na prática”,  e Compliance, Gestão de Riscos e Combate à Corrupção. Desenvolveu a Compliance Station(2), plataforma inovadora para a implementação e execução de sistemas de integridade em pequenas  e médias empresas.

Fontes:
(1) https://www.compliancetotal.com.br/
(2) https://compliancestation.com.br/

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